"MAIOR É O QUE ESTÁ EM VÓS DO QUE O QUE ESTÁ NO MUNDO." (I JOÃO 4:4)

sábado, agosto 25, 2012

"A mente sem pensamentos" 1/2

Osho


Pergunta: As ações são motivadas pela idéia de um objetivo e queremos certos resultados. Por isso, se a mente é livre do ego ou do pensamento o tempo todo, como as ações podem ocorrer? Como a mente sem pensamento pode manifestar qualquer coisa? Se todos se tornam inativos ao se tornarem constantemente livre de pensamentos, como a sociedade pode seguir adiante? Ela não vai perecer?



Resposta:

Uma pessoa não se torna inativa quando ela se livra do ego. Tampouco se torna inativa quando se livra do pensamento. Ao se tornar livre do ego, apenas a idéia de "quem faz" desaparece. A ação é entregue ao todo e flui com total momentum. Um rio está fluindo sem nenhum ego. O vento sopra sem nenhum ego. As flores nascem sem nenhum ego. E da mesma maneira, tudo acontece de uma vida espontânea, sem ego - a diferença é que nenhuma sensação de quem faz o que existe dentro dela.

Por isso, quando eu disse hoje de manhã que o ego de Arjuna se tornou seu sofrimento e tortura constantes, não quer dizer que quando ele esquecer seu ego suas ações terminarão. E quando eu disse que o pensamento cria preocupações ao homem e se sua mente se tornar livre de pensamentos - se ela for além da preocupação - não quer dizer que uma mente sem pensamento não vai mais falar ou agir; ou que ela deixará de se expressar.

Não, não é assim. A mente sem pensamento se torna oca como uma flauta. As músicas passarão por ela, mas não serão as suas próprias músicas, mas sim as do divino. Os pensamentos surgirão dela, mas não os pensamentos dela (a mente), e sim do todo.

Uma mente assim se entregará ao todo. Ela só irá dizer o que o todo a fizer dizer. Só fará o que o todo lhe fizer. A essência interna do "eu" se desintegrará - e com sua desintegração, não haverá ansiedade, angústia.

"Não é que existiu um tempo em que eu não era, ou você não era, ou todos esses reis não eram, nem haverá um tempo quando todos nós não existiremos. Isso é absoluto, máximo."

Arjuna parece estar procupado que todas essas pessoas diante dele sejam mortas na Guerra, que deixem de existir. Krishna diz a ele que aquilo que existe sempre existirá, e aquilo que não existe nunca existe.

É bom que entendamos isso.

A religião sempre disse isso, mas a ciência também começou a falar nos mesmos termos. E é melhor começarmos com a ciência, porque a religão fala dos topos que a maioria das pessoas ainda não atingiu; ao passo que a ciência fala sobre a base, sobre o chão, onde todas as coisas ficam.

Uma das descobertas mais profundas da ciência é de que a existência não pode ser posta na não-existência. Aquilo que existe não pode ser aniquilado. E aquilo que não existe também não pode ser criado. Toda nossa informação científica e know-how, todos os laboratórios do mundo e todos os cientistas do mundo juntos não podem aniquilar nem mesmo um único grão de areia. Tudo o que podem fazer é transformá-lo, dar-lhe novas formas.

O que chamamos de criação do universo, o big bang, também não passa de uma manifestação de uma nova forma - não a criação de uma nova existência, apenas uma nova forma. E o que chamamos de big crunch não é a aniquilação da existência, apenas da forma, do formato. As formas mudam constantemente, mas o que está escondido dentro da forma é imutável.

É como a roda de uma carriola, que se move e gira, mas o ponto em seu centro se mantém estático. A roda gira ao redor de si. Aqueles que só olharem para a roda dirão que tudo é uma mudança, um fluxo. Aqueles que olharem para o ponto central dirão que no centro de todo o movimento existe algo que não se move, que permanece estático.

E o mais interessante é que se separarmos a roda do eixo, ela não é capaz de se mover! O movimento da roda depende daquilo que não se move. As formas mudam, mas a mudança depende aquilo que não tem forma, que não é mudado.

Quando Arjuna diz que todas essas pessoas morrerão, ele está falando sobre a forma. Ele está dizendo que todas essas pessoas serão aniquiladas; ele não sabe nada além da forma. E Krishna está dizendo que não é que essas pessoas que você está vendo hoje não existiam antes - elas existiam antes também: eu estava aqui antes e você estava aqui antes. E também não é que os que estão aqui hoje não estarão mais amanhã. Não, nós estaremos aqui no futuro também - sempre, para sempre. A existência é do não-começo ao não-fim.

Por isso, é preciso entender que Krishna e Arjuna estão falando sobre duas coisas diferentes.

Arjuna está falando sobre a forma, e Krishna está falando sobre a não-manifestação da forma. Arjuna está falando sobre o visível e Krishna está falando sobre o invisível. Arjuna fala daquilo que está ao alcance dos olhos, dos ouvidos, das mãos; Krishna está falando sobre aquilo que está fora do alcance dos olhos, dos ouvidos e das mãos. Krishna está falando sobre algo que nos será uma bênção se algum dia a notarmos.

O visível nem sempre está lá. "Sempre" é uma palavra grande. O visível não existia sequer há um minuto. Você está olhando para o meu rosto; não é o mesmo rosto que estava aqui um momento atrás; e não será o mesmo rosto daqui a um momento. Dentro de um momento muitas coisas morreram em meu corpo e muitas coisas apareceram.

Buda costumava dizer para as pessoas que iam vê-lo: "Quando sair daqui, não será a mesma pessoa que era quando chegou. Em uma hora muitas coisas terão acontecido".

Em setenta anos um homem muda completamente pelo menos dez vezes. A cada sete anos todos os átomos e moléculas do corpo mudam. A cada momento algo morre no corpo e é expelido; a cada momento algo novo está nascendo, está surgindo.

Você coloca o novo para dentro por meio de sua alimentação. O corpo todo muda completamente em sete anos. Mas continuamos dizendo: "sou a mesma pessoa". Para nós, a semelhança das formas é a permanência da forma.

Você deve assistir a filmes de vez em quando. Se o filme passa muito lentamente, você ficará surpreso. Para o braço ser erguido e alcançar a cabeça, milhares de fotos têm de ser tiradas. Então a sequência de todas essas fotos é feita com muita rapidez. Por causa disso, você vê o braço sendo erguido como um ato normal. Se assistí-lo em câmera lenta, verá em quantas posições a mão tem de estar para ser filmada.

Da mesma maneira, quando olhamos para uma pessoa, não estamos vendo a mesma pessoa o tempo todo. Durante o tempo que passamos olhando para ela, nossos olhos vêem milhares de rosto da pessoa. Quando a imagem é processada e uma figura se forma em nossas mentes, coisas no rosto já mudaram.

E, da mesma maneira, existem incontáveis estrelas no céu. As estrelas que vemos não estão exatamente onde nós a vemos. Elas já estiveram ali. Demora quatro anos para que a luz da estrela mais próxima chegue à Terra. E a luz não viaja devagar. A velocidade da luz é de cento e oitenta e seis mil milhas por segundo. Demora quatro anos para que a estrela mais próxima mostre sua luz, mesmo que essa luz viage nessa tremenda velocidade. Quando os raios de luz nos alcançam, vemos as estrelas onde elas estavam há quatro anos. É possível que nesse tempo elas tenham deixado de existir, podem ter se desintegrado. As estrelas que vemos à noite não estão onde as vemos. A noite é muito enganosa, as estrelas são muito enganosas - nenhuma das estrelas está realmente onde você a as vê.

O que vemos não é exatamente o que existe. E nessa curta fração de tempo, tudo está mudando. Quando olho para seu rosto, os raios de luz começam a viajar de seu rosto e alcançam meus olhos, mas isso também tem um intervalo, mesmo que mínimo. Nesse meio-tempo você não é mais o mesmo.

Heráclito disse: "Não é possível pisar duas vezes no mesmo rio". Nem mesmo isso é totalmente verdadeiro. É difícil pisar no mesmo rio uma vez sequer, pisar duas vezes é impossível - pois quando o seu pé toca a superfície do rio, o rio continua correndo.

As formas correm como um rio, mas para nós elas parecem estar estáticas. Parece idêntico porque é parecido. Parece ser igual ao que vimos ontem, por isso acreditamos ser idêntico. Mas a forma muda a todo momento.

Arjuna ficou muito preocupado com o mundo das formas; nós também nos preocupamos! Ele pergunta: "O que vai acontecer se essas pessoas morrerem?"- sobre aqueles que estão morrendo a cada momento. Ele está preocupado com aqueles que já estão morrendo, que não podem ser salvos; ele está preocupado com coisas impossíveis. E a pessoa que se preocupa com coisas impossíveis nunca vai se livrar da preocupação.

Existe um mundo de formas - de aparências, de sons, de raios e ondas -, é um fluxo constante. Tudo muda continuamente. No momento, estamos todos sentados aqui - todos nós estamos mudando, pulsando, balançando. Tudo está mudando. Uma pessoa que quiser salvar o "mundo de mudanças" da mudança quer o impossível. O homem enlouquece ao bater contra os muros dos desejos impossíveis.

Lembro de um incidente na vida de Sócrates. Quando Sócrates estava morrendo, Creto, um de seus amigos, perguntou: "você está prestes a morrer, mas não está preocupado".

Sócrates respondeu: "Não estou preocupado, porque se vou deixar de existir após a minha morte, não tenho razão para me preocupar - e se eu não sobreviver, quem vai ficar para se preocupar? Eu não estarei mais aqui para saber se eu morri. Não sofrerei por isso. Se eu deixar de existir, não haverá ninguém para saber que eu morri. Por isso não há motivos para preocupação. E, se eu não morrer mesmo depois da morte, o que há para se preocupar? Só existem duas possibilidades: ou eu vou deixar de existir, ou não. Não existe outra possibilidade. Por isso eu não estou preocupado".

Krishna está dizendo a Arjuna que 'aquilo que irá morrer', irá morrer; não sobreviverá de qualquer forma por causa de seus esforços. E que aquilo que não vai morrer não vai ser morto mesmo que ele tente matá-lo - portanto ele deve parar de se preocupar desnecessariamente.

Existe essa expansão do mundo, da forma para a falta de forma. Se a analisarmos do ponto de vista da forma, então não faz sentido se preocupar, porque aquilo já está morrendo... morrendo... morrendo a cada momento. É como uma linha traçada na água - ela começa a desaparecer antes de ser terminada. E se olharmos para ela do ponto de vista da não-manifestação da forma, então aquilo que não vai morrer nunca vai morrer, e nunca morreu antes.

Mas não estamos acostumados com a falta de forma, nem Arjuna. É importante entender que a preocupação de Arjuna mostra mais uma coisa. Arjuna está dizendo que eles vão morrer. Isso também quer dizer que Arjuna considera a si mesmo apenas uma forma - caso contrário não estaria dizendo isso. O que dizemos sobre os outros na verdade está sendo dito sobre nós mesmos. Quando vejo alguém morrendo e penso: "Meu Deus! Essa pessoa está morta! Essa pessoa morreu para sempre!" - eu deveria saber que eu mesmo não sei nada à respeito de minha própria realidade interna, que não morre, que não perece, que não desaparce.

Quando Arjuna expressa preocupação com a morte deles, está demonstrando preocupação com sua própria morte. Ele não conhece a realidade dentro dele que é eterna. Da mesma forma, quando Krishna diz que eles não vão morrer, ele está dizendo algo à respeito de si mesmo. Ele conhece a vida eterna.

Nosso conhecimento externo nada mais é do que uma extensão de nosso conhecimento interno. Nosso conhecimento a respeito do mundo nada mais é do que nosso conhecimento a respeito de nós mesmos. O que sabemos de nós mesmos é o que mostramos ao todo como conhecimento dele. E o que não sabemos sobre nós mesmos nunca poderá ser sabido no contexto do outro. O autoconhecimento é o único conhecimento. Todo o outro conhecimento tem como base uma ignorância profunda, e o conhecimento baseado na ignorância é completamente inseguro.

Mas Arjuna parece estar falando sobre grande conhecimento, sobre grande religiosidade - mas ele não sabe que existe algo sem forma e além de qualquer forma, de que há algo intrínseco à existência, que é eterno. Ele não sabe disso. E a pessoa que não sabe da vida eterna não sabe de nada. A pessoa que só conhece a morte é tomada por uma grande escuridão e ignorância.

Então este é o critério: se você conhecer apenas a morte, está enraizado na ignorância; se conheceu aquilo que não morre, está enraizado no conhecimento. Se tiver medo da morte - não importa se for da sua própria morte ou da morte de outras pessoas -, isso só prova uma coisa: que você não conhece a vida eterna. E nada existe além da vida eterna.

A morte é apenas um nome para as ondas da superfície. Só existe o Oceano, mas ele é invisível. Visíveis são as ondas. Você já viu o oceano? Se já esteve na praia, vai afirmar sem pestanejar que já viu o mar. Mas o que você viu são simples ondas. Você não viu o mar. As ondas não são o oceano. As ondas estão no oceano, mas não são o oceano - porque o oceano pode existir sem as ondas, mas as ondas não podem existir sem o oceano. As ondas são o que é visível, estão espalhadas pela superfície do oceano. Nossos olhos vêem apenas elas; nossos ouvidos ouvem apenas seu som.

Mas o interessante é que você não consegue realmente ver uma onda - porque a onda é aquilo que está ondulando, mudando. Antes de vê-la, ela já mudou. A onda constantemente vem e vai. Ela simultaneamente se transforma e não se transforma. Ela sobre e desce, é e não é. Passa por esses dois lados simultaneamente - é essa onda que vemos.

A pessoa que considera as ondas do oceano vai ficar ansiosa: "O que vai acontecer? As ondas estão desaparecendo, o que vai acontecer depois disso?" Mas quem conhece o oceano vai dizer: "Não importa se as ondas desaparecerem. A água, o oceano que está aparecendo nas ondas estava lá antes delas e continuará depois que elas forem embora".

Uma pessoa perguntou a Jesus: "O que você sabe a respeito de Abraão?". Abraão foi um profeta antigo, muito antes da época de Jesus.

Jesus respondeu: "Antes de Abraão existir, eu existia".

O homem não pôde acreditar em Jesus. Jesus tinha trinta anos de idade, e Abraão tinha morrido milhares de anos antes. Como Jesus podia dizer que ele existira antes de Abraão?

Jesus está falando, na verdade, do mar, e não da onda que nasceu do ventre de Maria. Não está falando sobre a onda chamada Jesus. Está falando do oceano que existiu antes da onda e que existirá depois da onda.

Similarmente, quando Krishna diz: "Nós existimos antes. Você, eu e todas essas pessoas no campo de batalha já estivemos aqui antes e existiremos depois também", ele está falando sobre o oceano. E Arjuna está falando sobre a onda. Geralmente uma conversa entre uma pessoa falando do oceano e a outra da onda se torna muito difícil - porque uma fala do leste e a outra fala do oeste.

É por isso que o diálogo do Gitá é tão comprido, extenso. Arjuna vai trazer à tona assuntos sobre as ondas, enquanto Krishna vai falar sobre o oceano. Eles não cruzam seus caminhos em nenhum ponto. Se conseguissem fazer isso, o problema seria resolvido imediatamente. Por isso, eles vão continuar por muito tempo. Arjuna vai repetir a si mesmo e voltará para as ondas. Ele só vê ondas. E o que uma pessoa que só vê ondas pode fazer? Afinal, são as ondas que estão na superfície.

Na verdade, uma pessoa que depende apenas do olhar só consegue ver ondas. Se alguém quiser ver o mar, é um pouco difícil vê-lo com os olhos abertos. Tem de ser com os olhos fechados. A verdade é que, se quiser ver o oceano, não tem de olhar com os olhos abertos, tem de mergulhar no oceano. E quando está mergulhando, seus olhos naturalmente têm de estar fechados. Você tem de penetrar abaixo das ondas, dentro do oceano. Mas aquele que não penetrou nas ondas de sua própria mente não consegue penetrar nas ondas que surgem nas mentes dos outros. A tristeza de Arjuna se transforma apenas em uma coisa: ignorância.


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