"MAIOR É O QUE ESTÁ EM VÓS DO QUE O QUE ESTÁ NO MUNDO." (I JOÃO 4:4)

segunda-feira, novembro 02, 2015

Abandonando o apego, vive-se a Vida verdadeira - 1/2

- Masaharu Taniguchi - 


O ser humano é filho de Deus. Portanto, é óbvio que tenha a natureza espiritual sumamente harmoniosa e livre, à semelhança do Pai. É impossível que seja o contrário.

A Verdade da Vida cura doenças, melhora as situações adversas, enfim, faz ocorrer muitos acontecimentos milagrosos. As pessoas ficam assombradas diante de tais acontecimentos que elas consideram místicos, e pensam que esses fatos ocorrem pelo poder de Deus que age de fora para dentro. Mas isso é um equívoco. Quando pensamos que Deus está fora de nós e realiza milagres atendendo a nossos apelos, e que devemos agradar a esse Deus "exterior", corremos o risco de misturar superstições à fé verdadeira. Deus não responde à bajulações e servilismo, e sim ao coração sincero. Coração sincero é a natureza divina que existe em nós. Deus responde ao coração sincero, porque o Seu Sagrado Espírito que rege o Grande Universo e a natureza divina (coração sincero) que existe em nós são originariamente um, e portanto, sintonizam perfeitamente.

Deus é nosso Pai e, assim sendo, é lógico que não devemos nos limitar a interpretá-lo "materialisticamente", como ondas mentais. Ele nos protege "personificadamente" com Seu infinito amor e Sua infinita misericórdia. A graça de Deus nos é concedida incessantemente, não apenas quando ela se manifesta na matéria. As religiões vulgares acreditam num deus discriminador, que concede graças aos que pedem e não as concede aos que não pedem, Devido a isso, naqueles meios proliferam males como: ameaça de castigo divino, intimidação por meio de vaticínios (predições), trapaças, extorsão de contribuições, etc., etc.

Aqueles que pensam que Deus age com parcialidade como os seres humanos comuns e Se deixa levar pelas bajulações, estão cometendo uma grave ofensa contra Deus, ainda que pareçam ser devotos. Deus não responde à adulações nem a tentativas de "suborná-lo" com oferendas. Devotar-se a Deus com intuito de receber graças é uma ofensa contra Ele. Lamentavelmente, há muitas pessoas que, embora pareçam devotar-se a Deus, na verdade O estão ofendendo.

Quando digo que não se deve buscar a Deus com o intuito de receber graças, alguns contestam: "Mas isso ocorre também na Seicho-No-Ie. Têm sido constatado muitos casos de pessoas que se curaram ao ouvir palestras ou ao ler os livros da Seicho-No-Ie". De fato, os que frequentam a Seicho-No-Ie têm recebido graças. Mas não dizemos que Deus lhes concedeu graças somente porque eles pediram ou porque frequentam assiduamente a Seicho-No-Ie. O mestre-fundador da seita Konko disse: "As dádivas de Deus existem dentro de nós mesmos", e a Seicho-No-Ie prega que "Desde o princípio temos todas as dádivas recebidas de Deus, e cabe a nossa própria mente manifestá-las concretamente". Conforme afirmou Jesus Cristo, Deus é infinitamente misericordioso e "faz nascer seu sol sobre bons e maus, e manda a chuva sobre justos e injustos". 

Deus não é como pregam certas religiões, ou seja, um ser que age segundo seus caprichos, ora provocando desgraças para nos punir, ora nos concedendo saúde e felicidade para nos premiar. Ele é a "Grande Vida" que zela por nós constantemente, envolvendo-nos com Seu amor infinito. Se somos desafortunados, não é porque Deus nos desamparou, mas sim porque nós próprios não abrimos nossa mente para aceitar a Imagem Verdadeira. A Imagem Verdadeira é dotada de todas as dádivas de Deus. Imagem Verdadeira não é mero objeto de especulações filosóficas. É a Imagem Verdadeira daquilo que Deus nos concedeu; é a Imagem Verdadeira daquilo que Deus criou. Imagem Verdadeira é a existência verdadeira, ou seja, aquilo que existe de verdade. Devemos apreender diretamente aquilo que existe de verdade e não pela cognição relativa. Para isso, basta abrirmos os olhos da mente.

As pessoas confundem "o que existe de verdade" com "manifestação", a Imagem Verdadeira com o fenômeno, e crêem na existência de infortúnios e doenças. Isso é ilusão. Também ao lhes ocorrerem acontecimentos milagrosos tais como a cura de uma doença considerada incurável pela medicina, confundem a Imagem Verdadeira com o fenômeno e dizem que "alcançaram a graça". Isto também é ilusão. Esses milagres são "manifestações fenomênicas" da graça divina, e não a graça divina em si. A graça divina em si é a "perfeição da Imagem Verdadeira", que existe independente de a reconhecermos ou não. 

Denominamos "projeção da mente" aquilo que se manifesta quando é reconhecido pela mente. Dizemos que "o corpo carnal é projeção da mente" e "o ambiente também é projeção da mente"; isso significa que tanto o corpo carnal como o ambiente são manifestações resultantes do conhecimento. O que "passa a existir" somente por meio da cognição relativa chamada "reconhecimento" não é algo que exista por si mesmo. A isto chamamos "projeção da mente" ou "insubstancialidade". Dizemos que o mundo material é insubstancial, e que o corpo carnal também é insubstancial. Isto significa que tanto o mundo material como o corpo carnal são inconstantes e transitórios, não permanecem inalteráveis nem por um segundo. Observando-os atentamente, percebemos que o aspecto que eles apresentam num momento, já não existe no momento seguinte. Tudo aquilo cujo aspecto está em constante mutação não existe de verdade. E justamente por não existirem de verdade, não conseguem manter-se imutáveis, transformam-se e mudam constantemente. Assim é o mundo fenomênico. Parece concreto, mas é insubstancial. O que insubstancial está em constante mutação; o que está em constante mutação é vibração.

Essa vibração é o que, no budismo, recebe o nome de carma. Em última análise, carma é o "efeito inercial" das vibrações de pensamentos. Portanto, embora se manifeste concretamente no plano fenomênico, na verdade não existe. A salvação é possível porque o carma não existe de verdade. Alcançar a salvação consiste em deixar de se prender a "algo que não existe de verdade" e, transcendendo o aspecto aparente, apreender a Imagem Verdadeira, ou seja, "o que existe de verdade".

O corpo carnal não é existência verdadeira; o carma também não é existência verdadeira. Tanto o corpo carnal como o carma são soma de vibrações. Assim sendo, compreendendo que o corpo carnal não é existência verdadeira, compreendemos que o carma também não é existência verdadeira. Aparentemente, o corpo que temos hoje é o mesmo de ontem; porém, se o examinarmos meticulosamente, constataremos nele um incessante processo de transformação. Se assim não fosse, não haveria a renovação das estruturas celulares e o corpo, perdendo a vida, se mumificaria. Viver no mundo fenomênico é transformar-se incessantemente; é não ser hoje o mesmo de ontem; é soltar a vida de hoje para receber a de amanhã. Pode-se dizer que viver é "morrer a cada instante". A "morte" é que torna possível a renovação. Abandonando o apego à vida é que se encontra a vida. Aquele que se apega à vida, perde-a; e aquele que "solta" a vida, encontra-a. 

Para nos alimentarmos regularmente e absorvermos elementos nutritivos, precisamos "soltar" (exteriorizar) a energia acumulada. Soltando a energia acumulada, podemos absorver novos nutrientes, que são transportados pelo sangue, suprindo o organismo de oxigênio e eliminando as matérias envelhecidas e inúteis. No organismo, é incessante a renovação dos elementos componentes. No momento em que cessa esse processo de renovação, o corpo deixa de viver. O corpo vivo e todas as coisas que estão em constante mutação "não são existência verdadeira". Não se assombrem ao ouvirem a afirmação de que "o corpo não é existência verdadeira". O corpo não é existência verdadeira, mas nele se abriga "aquilo que existe de verdade", ou seja, a Vida que anima o corpo. A Vida não se extingue com a morte das células, pois ela própria é o "princípio" gerador de novas células. Por mais que o corpo sofra processo de transformação, o "princípio" da Vida mantém-se inalterável. Ela é imutável, é a Verdade Suprema, é a Imagem Verdadeira de nosso ser.

A constatação da transitoriedade da matéria leva-nos à compreensão de que a matéria não é existência verdadeira e, por conseguinte, o corpo também não é existência verdadeira. E essa compreensão nos conduz à descoberta daquilo que existe de verdade. Devemos mudar radicalmente a noção acerca da "existência", passando a admitir a "inexistência daquilo que julgávamos existente", e reconhecer a "existência" daquilo que julgávamos "inexistente". Precisamos despertar para o fato de que, na verdade, o corpo não existe. Ele não passa de materialização das vibrações mentais em constante mutação. A transformação constante é próprio do corpo carnal. O corpo carnal é uma imagem em constante transformação. Este nosso corpo, que se transforma incessantemente e não tem substância, não é nosso "Eu Verdadeiro", o qual é eterno. Então, o nosso "Eu Verdadeiro" seria a nossa mente? Não – a mente também não é o nosso "Eu Verdadeiro", pois também muda constantemente, é transitório. Ser transitório é não manter o mesmo aspecto nem por um instante; e "não manter o mesmo aspecto nem por um instante" é não ser existência verdadeira.

Ao compreendermos que "o corpo não é existência verdadeira", damos o primeiro passo para a verdadeira liberdade. Enquanto continuarmos acreditando que "o corpo existe, a matéria existe", não podemos alcançar a verdadeira liberdade. O corpo é um elemento material que ocupa lugar no espaço, e, portanto, é sujeito a limitações impostas pela matéria e pelo espaço. Assim sendo, o corpo chega a ser até um obstáculo concreto para a livre manifestação do "Eu verdadeiro". No caso de surgir uma doença no corpo, se a pessoa mantiver a crença de que "o corpo existe de verdade", não poderá deixar de considerar a doença como uma realidade concreta contra a qual não se pode lutar, e sentir-se-á impotente. Admitir a existência verdadeira do corpo é renunciar à plena liberdade do "Eu verdadeiro". E isso constitui a causa fundamental da doença.

Se queremos manifestar plenamente a liberdade inata do nosso "Eu verdadeiro", não devemos admitir a existência de matéria (corpo) capaz de impedir essa manifestação. A matéria (corpo) não é algo que existe independentemente do "Eu verdadeiro", e sim o elemento que o "Eu verdadeiro" pode modificar e moldar livremente, segundo sua vontade, tal como argila. Somente quando compreendemos que a matéria (corpo carnal) é algo que pode ser controlado livremente, tal como o ar que um grande cantor controla, tornamo-nos capazes de assegurar a liberdade do nosso "Eu Verdadeiro".

Admitir que a matéria (o corpo carnal) seja algo que não depende da mente, é renunciar à liberdade mental, e, por conseguinte, do nosso "Eu Verdadeiro". Quando a mente renuncia ao direito de comandar o corpo, ela perde a capacidade de controlá-lo, e nessa circunstância, é natural que ocorra a doença e que ela seja de difícil cura.

Compreender que "o corpo não existe" é o primeiro passo para que se manifeste a liberdade do "Eu verdadeiro", para o despertar, para a verdadeira libertação. Porém, isso não é suficiente para a salvação. Compreender que "o corpo não existe" é saber que não existe um "invólucro" encobrindo a Vida e tolhendo-lhe a liberdade; mas de nada adianta sabermos isto se a nossa própria Vida estiver adormecida. É preciso que ela desperte para a liberdade que lhe é inerente. Devemos despertar para o fato de que a nossa própria Vida integra a grandiosa Vida onipresente no Universo. Compreendendo isso, estaremos dando o segundo passo para a plena liberdade. Conhecer a verdade de que "a matéria não existe", "o corpo não existe" e "todas as coisas deste mundo são transitórias" constitui os passos preliminares para manifestar a original liberdade da Vida. Porém, mesmo que conheçamos essa Verdade, se não compreendermos que nossa Vida é parte integrante da Grande Vida, este mundo nos parecerá vazio e sem sentido, e tenderemos a adotar filosofias pessimistas, como o budismo pessimista, o chamado "pequeno veículo", que prega que o corpo e a mente revertem ao nada. Não adianta compreendermos que "a matéria não existe", "o corpo não existe", "todas as coisas deste mundo são transitórias, são como visões efêmeras produzidas por um ilusionista", se isso nos leva a adotar uma visão de vida pessimista. Devemos manifestar, na prática, a liberdade inata do nosso "Eu verdadeiro", controlando livremente todas as coisas, da mesma forma que o ilusionista faz com que as coisas surjam ou desapareçam, segundo a vontade dele.

Continua...

Do livro "A Verdade da Vida, vol. 33", pp. 41-48

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