"MAIOR É O QUE ESTÁ EM VÓS DO QUE O QUE ESTÁ NO MUNDO." (I JOÃO 4:4)

quarta-feira, julho 27, 2016

Viver com Naturalidade - 2/2

- Masaharu Taniguchi - 


Não há dúvida de que as coisas percebidas pelos cinco sentidos não têm existência originária. Apenas nós as vemos como tal, sendo algo que não existe tal como enxergamos. Portanto, se negarmos de vez a existência delas, compreendendo a inexistência do mundo fenomênico e, após isso, apreendermos a corrente da Vida que transcende os cinco sentidos e passarmos a viver naturalmente essa Vida, teremos de volta em nossa vida concreta e visível as atividades da Vida.

Se passarmos a menosprezar o corpo carnal, a matéria e a vida, alegando que o corpo não existe, a matéria não existe, teremos perdido o estado natural da Vida que vive e trabalha. Assim, teremos perdido a liberdade, apenas apegando-nos ao nada. Dizemos que a matéria não existe, o corpo carnal não existe, a fim de deixarmos de nos preocupar com a matéria, com o corpo carnal. Entretanto, se nada fizermos porque inexistem, estaremos presos ao nada, ao vazio. O apego ao vazio também é uma ilusão e, sendo assim, não devemos nos apegar ao vazio. Precisamos anular o vazio, transformando-o em nada, e sermos a própria Vida. Denominamos Vida, tal como é, de Imagem Verdadeira da Vida. Se nos tornarmos exatamente como é a Vida, adquiriremos naturalmente a liberdade da Vida, como também a provisão infinita.

Na Seicho-No-Ie não se fala em algo rígido como auto-suficiência. Basicamente, é impossível haver auto-suficiência neste mundo. Se todo o Universo forma um corpo harmonioso, é impossível haver auto-suficiência. Mesmo que seja possível, a vida da pessoa que conseguir auto-suficiência se tornará extremamente limitada e desnatural, arruinando a  naturalidade da vida. Por isso, a Seicho-No-Ie não diz que devemos ser auto-suficientes, mas sim viver recebendo auxílio dos demais. Devemos viver recebendo auxílio dos outros e, ao mesmo tempo, prover os demais com aquilo que produzimos. Oferecemos aos outros e também recebemos deles. Vivemos auxiliando-nos uns aos outros.

Seneatsu Mushakoji criou na província de Miyazaki, num local denominado Koyu-gun Kijo, uma aldeia ideal auto-suficiente, mas, apesar do intento inicial de criar uma aldeia auto-suficiente, ele compreendeu que isso não era possível. Compreendeu que, para efetuar a irrigação, era preciso trazer de fora o motor, como também adquirir de fora os instrumentos necessários para a lavoura e para a vida diária. Percebemos com isso que tudo se realiza quando há auxílio mútuo.

Dentre as pessoas de caráter elevado, existem muitas que detestam receber favores dos outros e que pensam em fazer o possível para não depender dos demais. Nos ensinamentos da Seicho-No-Ie também consta que devemos andar com nossas próprias pernas. Por exemplo, um paralítico anda apoiando-se na bengala, convencido de que não consegue andar sem ela. Por causa disso, nunca se cura da paralisia. No entanto, se essa pessoa acreditar realmente no ensinamento de que não deve ficar sempre na dependência alheia, que deve se levantar sozinho – pois o natural é que a Vida tenha autonomia –, e aceitar isso com docilidade, ela se curará da paralisia. Isso, porém, é uma orientação que se dá para uma pessoa que vive sempre na dependência dos outros, ensinando-lhe que isso não é certo.

Ensinar desse modo a alguém que se esqueceu de que possui força para andar com suas próprias pernas e que possui mentalidade sórdida de viver na dependência de tudo – de remédios, da força alheia, ou, então, de donativos – é dar vida a ele. Sendo, porém, uma orientação adequada a esse tipo de pessoa, não se pode afirmar que seja uma Verdade que se adapta a todos. O Universo forma um só corpo e, portanto, o natural é que as pessoas vivam auxiliando-se mutuamente. Quem tem mentalidade de dependência é um velhaco que só pensa em receber auxílio, e não em dar auxílio. Então, dizer "Levante-se sozinho" é uma advertência dada a esse tipo de pessoa. Mesmo que se diga "Levante-se sozinho", o ser humano jamais consegue viver totalmente sozinho, sem depender de ninguém. Mesmo que a pessoa diga "Não dependo de ninguém", dificilmente conseguiria viver absolutamente sozinha, plantando e colhendo arroz, criando bicho-da-seda, fiando a seda, tecendo, tingindo, costurando. Então, a Verdade absoluta é que "Eu e o outro somos um". É viver recebendo auxílio dos outros e também dando-lhes auxílio. Não deve falhar nem um, nem outro. A quem vive sempre dependendo de remédios, de coisas materiais, pensando sempre em receber cuidados alheios, dizemos: "Ande com suas próprias pernas", "A matéria não existe", "A Vida possui autonomia".

Esse é um ponto que o leitor de A Verdade da Vida deve ponderar muito. Sendo a Verdade algo invisível, ao expressá-la com palavras do mundo fenomênico é preciso usar termos convenientes a cada pessoa. Tudo que existe no mundo fenomênico está manifestado de modo relativo e, portanto, pode-se usar expressões adequadas a cada pessoa, a cada situação. Se pedirem para descrever a Verdade, tal qual ela é, sem usar adequações, não há alternativa senão ficar em silêncio como o céu e a terra. O céu e a terra estão sempre ensinando a Verdade, em silêncio.

Aquele que, observando a orientação adequada a cada pessoa e situação, diz que há incoerência, pois em determinado local está escrito "Não dependa dos demais, ande com as próprias pernas" e, em outro, "Viva auxiliando-se mutuamente", está se apegando à palavra do texto. O texto é escrito para conduzir as pessoas para a Verdade, e não contém incoerência, em absoluto. Se alguém se prender às palavras, encontrará contradição. Vendo apenas a escrita, pode parecer que seja incoerente, mas não há incoerência. Para nadar, movimenta-se o braço direito e também o esquerdo, mas o objetivo não é se dirigir para o lado direito, nem para o esquerdo. Nada-se em linha reta movimentando ora o braço direito, ora o esquerdo. O objetivo não se encontra à direita, nem à esquerda.

Portanto, ao orientarmos uma pessoa que é demasiadamente dependente, dizemos "Não dependa dos outros". Para essa pessoa, deixar de depender dos outros fará com que vivifique sua Vida. Nos estudos, por exemplo, não progrediremos se os outros estudarem por nós. Para que haja progresso, é preciso que nós mesmos estudemos. Por essa razão, ensinamos aos principiantes para não dependerem dos demais. Entretanto, se a pessoa passar a se prender ao fato de que não deve depender dos demais, se tornará alguém muito rígido e exclusivista. Por exemplo, apesar de um adepto fervoroso oferecer-nos um local para realizar uma reunião, se recusarmos essa oferta dizendo "Não aceitamos favores de ninguém", não conseguiremos desfrutar a providencial cortesia dessa pessoa. Com isso, não poderemos vivificar a gentileza nem a boa intenção dessa pessoa, e nós próprios perderemos a oportunidade de polir mutuamente a alma e crescer. Portanto, se ficarmos demasiadamente presos à questão "Não devemos incomodar os demais", não estaremos vivificando a Vida. Essa é uma questão delicada, muito importante.

Meu pai verdadeiro era uma pessoa que detestava causar incômodo aos demais. Chegava a levar sua própria comida ao visitar os parentes, dizendo que não queria lhes causar incômodo. Não causar incômodo aos demais pode ser uma atitude conveniente em ceras ocasiões, mas, nesse caso, acaba com a intimidade entre parentes. Mesmo que o parente pense "Já que veio nos visitar depois de tanto tempo, gostaria de preparar-lhe algo gostoso", se o visitante vem trazendo marmita de casa, será difícil manter um relacionamento cordial e íntimo. Em tal caso, a pessoa construiu uma barreira, delimitando "Até aqui sou eu", sem considerar que o eu e o outro somos um, sentindo que as demais pessoas estão todas fora do limite do seu eu. Assim, meu pai mantinha por demais nítida a distinção entre o eu e os outros e tratava até os parentes com reserva, sem intimidade. Talvez por ter nascido filho de uma pessoa assim extremamente discreta e cerimoniosa, eu também herdei muito essa índole e tive de me esforçar muito para vencer isso. Por meio de esforços e mais esforços, a muito custo, consegui adotar a visão atual de vida que é o de viver auxiliando-nos uns aos outros, porque o eu e o outro somos um.

Quando pensar "Até aqui sou eu, e daqui para diante é o outro", a pessoa achará que não deve receber gentilezas dos outros, mas a barreira do eu será rompida quando compreender que "O eu não existe originariamente". Ao ser rompida essa barreira, desaparecerá a existência do eu. Quando o eu deixar de existir fundamentalmente, não haverá eu e o outro, desaparecendo também o auxílio mútuo. Desaparecendo a distinção entre dar auxílio ao outro e receber auxílio do outro, se realizará naturalmente a vivência de auxílio mútuo. Rompendo a barreira do eu, o eu e o outro ficarão misturados, e a vida se tornará livre. Chegando a esse estado, todas as provisões da Vida, como do mundo econômico, passarão a circular sem cessar, e se manifestará aí o aspecto da circulação ilimitada de Deus.

Desse modo, precisamos, às vezes, contar com favores alheios, mas não existe esse eu que recebe favores. Se o eu é uma existência pública, ainda que receba favores alheios, seria o mesmo que o outro estar ajudando a si próprio.

Antes de tudo, o importante é a conscientização "Que é que sou?". Se o eu fosse uma existência egoística, que só pensa em vantagens próprias, por mínimo que fosse o favor recebido dos demais, estaria sendo interesseiro. Entretanto, sendo estabelecido o suporte fundamental de que o eu não é originariamente o eu, não é originariamente um ser interesseiro, um ser egoístico, mas um ser público, mesmo o fato de receber favores dos outros, será um benefício que um ser público estará recebendo da comunidade, sendo algo natural e correto.

Portanto, se alguém considerasse, por hipótese, que este eu é fundamentalmente um ser egoístico e interesseiro, mesmo que se retirasse para a montanha, ou levasse marmita para não incomodar ninguém, enquanto pensasse, por mínimo que fosse, que é um ser interesseiro, o pouco que comesse ou bebesse estaria reduzindo a comida do outro e apoderando-se da água alheia. E, se o eu fosse fundamentalmente um ser egoístico, por mais que usasse de modéstia e vestisse roupas pobres, que vestisse trapos, poderia concluir que estaria explorando as operárias da tecelagem. Dessa forma, se o eu fosse um ser egoísta, mesmo que se retirasse na montanha, que vivesse de maneira mais humilde possível, estaria vivendo de modo egoísta.

Contudo, se adquirir a conscientização fundamental de que o eu não é originariamente um ser egoísta e decidir jamais viver de modo egoísta, por mais rica que seja a vida que leva, esse alguém não estará servindo para dar prazer a si, mas para enriquecer o ser público que é o eu. Sendo assim, não é preciso mais ter reservas, porque se manifestará a Imagem Verdadeira da provisão infinita que circulará sem cessar, e todos se auxiliarão mutuamente.

Em suma, antes de tudo, o primordial é que o eu se transforme totalmente num ser público. E será que isso é difícil? Em absoluto. Nós nascemos da Grande Vida. No plano da Imagem Verdadeira, em relação à Grande Vida, o eu e o outro somos um. Portanto, somos naturalmente um ser público. O natural é que a nossa vida seja pública. Dizer que devemos viver com naturalidade significa, na verdade, que devemos levar um vida pública, como seres públicos que somos.

Em nós está alojada a Vida imanente no Universo. Em outras palavras, está alojada a Vida em comum. Nós somos irmãos que nasceram da Vida comum a todos e, portanto, quando vivemos com naturalidade, tal qual somos, só podemos levar uma vida pública, como seres públicos. Viver naturalmente a Vida tal qual ela é significa, em suma, que a verdadeira naturalidade é viver despertando para o fato de que o eu é um ser público.

Chegando a esse ponto, desaparecerão por completo a sensação de só sentir prazer ao alcançar o sucesso pisando nos demais, de disputar a prioridade dizendo que tal teoria veio antes ou depois, ou então de ter prazer apenas por estímulos sensoriais muito fortes. Passamos, assim, a vivenciar a Vida em comum, baseados simplesmente na conscientização de que somos filhos da Vida comum a todos e, como a corrente dessa Vida comum circulará e fluirá na nossa vida, sentiremos verdadeiramente a alegria universal da alma em tudo que fizermos.

Basicamente, sentimos alegria da alma quando a Vida comum a todos vive em nós, e essa não é uma alegria do ego. É a alegria que vem das profundezas da alma, isto é, do âmago dessa Vida comum. Vivemos a Vida comum a todos e sentimos mais profundamente a alegria da alma de conformidade com o grau da vivência em comunhão com a corrente da Vida comum, rompendo a vivência enclausurada dentro da casca chamada eu, o pequeno indivíduo. Toda alegria da Vida é a alegria que provém da expansão do eu, sentida quando a nossa Vida se expande, por pouco que seja, ou, em outras palavras, quando rompemos a casca do pequeno ego. Atingimos a última escala da expansão do eu quando rompemos completamente a casca do pequeno ego e nos fundimos com a corrente da Grande Vida que preenche o Universo. Nessa hora, sentimos a alegria que nos deixa exultantes. Podemos afirmar que toda alegria da Vida resulta do sentimento de auto-expansão.

Até mesmo a alegria sensorial vem da sensação da expansão do eu ao limite máximo. Através dos "tentáculos" dos sentidos, o eu vai prolongando-se e expandindo para o mundo exterior. Por exemplo, sentimos prazer quando comemos algo delicioso, porque os nossos "tentáculos" alcançaram esse algo gostoso e nossa mente se expandiu, tornando-se um com o sabor dessa iguaria, por exemplo, um doce, assim sentindo prazer, porque aí se manifesta o paladar. Portanto, a alegria sensorial também pode ser considerada expansão do eu ao limite máximo. Dando outro exemplo, quando vemos uma bela flor, sentimos a alegria da Vida. Se o eu estiver de olhos fechados, dentro da sua própria casca e só perceber a si, não ocorrerá a auto-expansão e ele não verá a flor, não sentindo o prazer de apreciar o belo. Quando vemos a flor com a mente aberta, com os olhos abertos e com o eu expandido, sentimos a felicidade de poder admirar quão bela ela é. E isso significa que a nossa mente chegou até ela, expandindo-se.

Desse modo, encontramos toda alegria da Vida quando o eu se expande. Quando o eu fica contraído, manifesta-se o estado de sofrimento, de tristeza ou de dor mental. Alcança-se o apogeu dessa auto-expansão quando desaparece o eu, quando se anula aquilo que se chama eu individual. Esse sim é o momento máximo da auto-expansão, que nos faz sentir uma alegria profunda e grandiosa. É mentira a afirmação de que não se tem alegria na vida normal. Não se tem alegria quando a vida não está de acordo com a Imagem Verdadeira. Não é exagero dizer que não há alegria maior que a de quando passamos a viver de modo natural e normal, porque é retirada a divisória que nos separava da Vida Universal.

A alegria sensorial é uma auto-expansão em pequena escala. Nela há ainda uma divisória separando o eu e o outro, uma relatividade – eu sinto prazer olhando aquilo – e não é uma alegria tão marcante. E se nos apegarmos a isso, a Vida perderá a liberdade de fluir devido a esse apego, e a alegria se transformará em dor. Como já citei anteriormente, a verdadeira imagem da Vida é a liberdade, portanto, enquanto existir o eu que se apega a coisas de fora, perde-se essa liberdade. Perdendo a liberdade, a Vida passa a sofrer. A alegria sensorial também não deixa de ser uma expansão do eu, mas tendemos a nos apegar a ela e isso pode se transformar em sofrimento, porque o eu e o outro se confrontam e, como resultado do apego que o eu passa a ter por algo de fora, perdemos a flexibilidade e a liberdade. Destarte, todo sofrimento ou preocupação nasce do apego a algo. E a forma de identificar esse apego é pela imagem de perda da normalidade.

A imagem natural e originária da Vida é a de liberdade absoluta, semelhante a nuvens que se movem sem parar e à água que flui incessantemente. Conseguiremos essa imagem livre e desimpedida quando nos livrarmos dessa pequena casca chamada eu. O eu não existe – quando passarmos a viver pensando apenas na prosperidade da Vida em comum, a nossa alma estará sempre feliz, mesmo sem ansiarmos por milagres nem por acontecimentos misteriosos. Assim, desaparece naturalmente a estagnação da mente, e as doenças também desaparecem. Fenômenos anormais são todos uma espécie de doença e, portanto, sendo as doenças fenômenos anormais, elas desaparecem quando a Vida do homem retoma a naturalidade. Desejo que todos consigam sentir alegria com a Vida natural, exatamente como ela é.


(Do livro: A Verdade da Vida, volume 36; pp. 58-69)

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